Durante muito tempo, falar de supercomputação (HPC) era praticamente sinônimo de falar de x86. Há dez anos, quase 90% das máquinas no TOP500, o ranking semestral dos supercomputadores mais poderosos do mundo, rodavam sobre CPUs Intel. Em 2025, essa fatia caiu para 57%. O cenário mudou, e rapidamente.

A hegemonia que Intel construiu ao longo de décadas está sob pressão direta de três forças principais: a ascensão do ARM, o avanço acelerado de GPUs como elemento central da computação, e o surgimento cada vez mais concreto do RISC-V como alternativa aberta e personalizável.

É uma mudança profunda para um setor que nasceu com arquiteturas vetoriais desenvolvidas por Cray nos anos 1970, migrou para RISC nos anos 1990 e, por razões econômicas, acabou consolidado nos clusters de baixo custo baseados em x86 no início dos anos 2000.

Esse ciclo, porém, está mais aberto do que nunca.

Quando o barato venceu o sofisticado

O triunfo inicial do x86 em HPC teve pouco a ver com elegância arquitetural. Tinha a ver com custo. O trabalho pioneiro da NASA com clusters Beowulf, ainda em 1994, mostrou que processadores baratos em grande volume podiam competir com máquinas especializadas, desde que corretamente paralelizadas.

Em 1997, o ASCI Red, com 9.152 Pentium Pro, consolidou a ideia. A partir dali, o caminho estava pavimentado: processadores baratos, bem documentados, com forte otimização de compiladores e, mais tarde, com a ajuda indispensável das GPUs.

A partir de 2006, com o lançamento do CUDA, a Nvidia transformou um chip de vídeo em uma máquina científica paralela. Desde então, o HPC moderno vive do casamento entre CPUs generalistas e GPUs massivamente paralelizadas. Mesmo assim, o papel da CPU continua crítico, afinal é este componente que orquestra tarefas, controla fluxos, lida com operações escalares e coordena nós em larga escala.

Esse ambiente de alta dependência de aceleradores abriu espaço para novas arquiteturas no lado da CPU, já que o x86 perdeu parte de sua centralidade.

AMD ganha terreno, mas ARM decola

O domínio histórico de Intel na HPC quebrou por dois lados: pela força de AMD e pela evolução do ARM.

A AMD voltou ao jogo com força através da linha EPYC, culminando em supercomputadores como o Frontier (2023) e o El Capitan (2025), ambos líderes do TOP500 em seus anos. As CPUs Genoa, Turin e suas sucessoras entregam densidade, paralelismo e eficiência energética num patamar que permite competir com a Intel de igual para igual e muitas vezes ultrapassá-la.

Mas o movimento mais transformador veio do ARM. O sucesso do Fugaku, em 2020, com 442 petaflops, provou que a arquitetura poderia escalar para além do mobile e dos servidores. O A64FX, com suas extensões vetoriais avançadas, mostrou ao mundo que o ARM pode dominar workloads tradicionalmente reservados ao x86.

O salto seguinte veio com o chip Nvidia Grace, que combina ARM com GPUs Hopper. Hoje, mais de 40 supercomputadores planejam usar a plataforma Grace Hopper, incluindo o Jupiter, primeiro exascale europeu. Isso posiciona a Nvidia como uma potência não apenas em GPUs, mas também em CPUs.

Se ARM representa a consolidação, o RISC-V representa a oportunidade. Criada como ISA aberta pela Universidade de Berkeley, a arquitetura permite que empresas projetem seus próprios processadores sem pagar licenças, algo impensável em ARM ou x86.

Para centros de pesquisa, governos e startups de HPC, isso é revolucionário. Não apenas pelo custo zero, mas pela possibilidade de projetar instruções específicas para workloads científicos, IA ou simulações complexas.

Entretanto, há desafios sérios: falta maturidade de ferramentas, falta robustez nos testes e verificação, e os núcleos open source continuam longe do desempenho de designs ARM proprietários ou x86 de ponta.

Mesmo assim, iniciativas como a European Processor Initiative (EPI) apostam no modelo híbrido: ARM para uso geral, RISC-V para aceleradores especializados. Vale notar que, para além do custo e do desempenho, essa mudança também é movida pelo conceito de Soberania Digital.