Migrar para o Linux quando se trabalha com design é uma das maiores fontes de dúvida para criadores, ilustradores e profissionais de comunicação visual. A pergunta quase sempre surge do mesmo jeito: “Quais ferramentas existem no Linux que se comparam às soluções proprietárias, como Photoshop, Illustrator, Figma ou Lightroom?” Nem sempre a resposta é simples, porque nem tudo se resume a trocar um programa por outro com nome diferente. Existe uma mudança real de fluxo de trabalho, expectativas e, em muitos casos, até de mentalidade profissional.

Quando observamos o mercado como um todo, a Adobe ainda é líder em vários segmentos, mas não em todos. Em áreas como prototipação e design voltado para produtos digitais e interfaces web, por exemplo, o Figma consolidou um espaço gigantesco, mesmo fora do ecossistema Adobe. Da mesma forma, no universo 3D, ferramentas como Blender, que é open source, e Maya, proprietária, dividem protagonismo de maneira bastante equilibrada. Já em edição de vídeo, o DaVinci Resolve se destaca no ajuste de cores. Ou seja: já faz tempo que não existe um monopólio completo quando o assunto é criação digital. Isso também se reflete no cenário do Linux.

Vetorial: Inkscape e o desafio da impressão

Quando falamos de substitutos para o Adobe Illustrator ou o Affinity Designer no Linux, o nome que aparece imediatamente é o Inkscape. Ele é uma ferramenta madura, poderosa e extremamente competente para edição vetorial, especialmente quando o foco é produção para telas, interfaces, ícones e conteúdos web. A escolha do SVG como formato principal reflete exatamente essa vocação digital do software.

Por outro lado, isso traz um desafio importante: o fluxo de trabalho para impressão profissional. O padrão CMYK, essencial para gráficas, não é suportado nativamente no SVG. Como consequência, o Inkscape não faz a preparação de arquivos para impressão da mesma forma que Illustrator ou Affinity fazem. Existem soluções alternativas e processos de conversão, mas isso adiciona mais etapas ao trabalho.

É aí que entra o Scribus, um software de diagramação mais próximo do Adobe InDesign. Ele permite trabalhar corretamente com CMYK e exportar PDFs prontos para gráfica. O fluxo mais comum acaba sendo criar os vetores no Inkscape e finalizar o projeto no Scribus. Funciona, mas exige a utilização de dois aplicativos, enquanto em ambientes proprietários muitas vezes tudo é resolvido dentro de uma única suíte. Isso mostra bem o tipo de adaptação que o profissional acaba fazendo no Linux.

Manipulação de imagens: GIMP e a evolução do Krita

Na edição de imagens, o GIMP sempre foi o nome mais associado ao Linux. Ele ganhou fama como alternativa ao Photoshop e, durante muito tempo, foi praticamente a única opção robusta e popular no segmento open source. No uso cotidiano, ele realmente dá conta de uma enorme quantidade de tarefas: recorte, correção de cores, composição de imagens, criação de thumbnails e manipulação de camadas complexas.

Porém, antes de versão 3, lançada em 2025, havia limitações significativas em conceitos básicos do design moderno, como edição de texto com efeitos aplicados de forma não destrutiva. Para criar sombras, contornos ou perspectivas em texto, por exemplo, o caminho tradicional envolvia rasterizar a camada e perder a possibilidade de edição direta. Isso gerava fluxos mais engessados e trabalhos cheios de camadas de backup para evitar retrabalho.

Com o tempo, o Krita começou a ganhar muito destaque, principalmente por já oferecer recursos mais avançados de manipulação de texto, além de ser excelente para pintura digital, ilustração e concept art. Hoje, ele se apresenta como uma alternativa bastante interessante para quem trabalha predominantemente com imagens e artes visuais, e se encaixa muito bem em pipelines criativos no Linux. Ainda assim, muitos profissionais continuam usando o GIMP pela familiaridade, inclusive em sistemas Windows, aproveitando o fato de ele ser multiplataforma.

A comparação direta com o Photoshop, porém, precisa ser justa: estamos falando de uma ferramenta bancada por uma empresa bilionária contra projetos desenvolvidos majoritariamente por comunidades e fundações com recursos muito mais limitados. Apesar disso, o nível de qualidade atingido por GIMP e Krita é impressionante, considerando as condições de desenvolvimento. Não é exagero dizer que o resultado final dessas ferramentas open source é, em muitos casos, admirável.

A questão da colaboração profissional

Um dos maiores obstáculos para designers que tentam migrar totalmente para ferramentas abertas não é exatamente o recurso técnico, mas a dinâmica de trabalho em equipe. Projetos colaborativos quase sempre envolvem trocas de arquivos nativos, como PSD, AI ou outros formatos proprietários. Mesmo quando é possível abrir esses arquivos em ferramentas open source, a edição nem sempre é plena. Textos podem perder a capacidade de edição, efeitos específicos são rasterizados e estruturas complexas se quebram.

Quando você é a última pessoa da cadeia de produção, isso até pode ser administrável. Mas quando existe retorno do cliente, revisão em grupo ou colaboração contínua, surge a necessidade de compatibilidade total, algo que ainda pesa a favor das ferramentas proprietárias.

Não se trata de incapacidade do Linux ou das soluções open source, mas de uma realidade de mercado: equipes grandes tendem a centralizar ferramentas para reduzir atritos operacionais. Para o profissional individual ou pequenos estúdios mais flexíveis, a história pode ser outra.

Fotografia digital: Darktable e RawTherapee

No campo da fotografia, o equivalente ao Adobe Lightroom no mundo open source já está bastante bem definido. Ferramentas como Darktable e RawTherapee oferecem gerenciamento completo de acervos, edição não destrutiva, preservação de metadados, processamento em lote e tratamento profissional de arquivos RAW.

O Darktable, especialmente, se destaca pela maturidade e facilidade de uso. Ele atende praticamente todas as demandas tradicionais de workflow fotográfico: importar fotos, catalogar, aplicar correções globais ou locais, exportar em massa e manter o histórico das edições da forma mais segura possível. Para fotógrafos que trabalham com arquivos brutos diretamente da câmera, não há qualquer limitação real ao usar Linux com essas ferramentas.

Adaptação de fluxo, não de capacidade

O grande ponto é: para praticamente todas as áreas do design, existem ferramentas open source no Linux capazes de realizar o trabalho profissional. O que muda raramente é o resultado final, mas sim o caminho até ele.

Migrar para o Linux dificilmente será um processo de “trocar A por B” de forma perfeita. Normalmente exige dividir tarefas entre aplicativos diferentes, adaptar hábitos e, principalmente, aceitar que alguns cenários colaborativos estão presos ao ecossistema proprietário. Isso não invalida nem diminui o open source, muito pelo contrário. Mostra o quanto essas ferramentas conseguem entregar mesmo com recursos incomparavelmente menores.

O mais importante, talvez, seja entender que cruzar a ponte para o Linux é sobre ajustar o foco de trabalho, aproveitar um mercado vasto de soluções livres e reconhecer que cada ambiente tem seus desafios. Para muitas pessoas e projetos, o Linux oferece tudo o que é preciso. Para outros, pode ser necessário manter uma convivência com ferramentas proprietárias por questões práticas.

Este conteúdo é um corte do Diocast. Assista ao episódio completo, onde conversamos sobre as novidades do Affinity agora sob o Canva, as expectativas de uma versão nativa para Linux e os desafios para os designer que buscam alternativas aos ecossistemas fechados como o da Adobe.